A conjuntura política brasileira e as eleições de 2018, por Wagner Sousa

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O governo do presidente Michel Temer, por uma combinação de ascensão ilegítima ao poder, execução de um programa econômico e social antinacional e antipopular (e que efetivamente não proporcionou a recuperação da economia, embora o governo e a imprensa queiram fazer a população acreditar no contrário) e fartas e documentadas denúncias de corrupção (incluindo a famosa filmagem do assessor presidencial com a mala de 500 mil reais) ostenta os piores índices de aprovação de um governo na história do Brasil. O partido que atualmente ocupa o Executivo federal, o MDB, com um documento intitulado “Ponte para o Futuro”, ainda no governo da antecessora Dilma Rousseff, comprometeu-se com uma política econômica ultraliberal, ao gosto do “mercado”. Dentre as medidas constava em destaque a reforma da previdência social. Como o governo empenhou seu capital político para preservar o presidente nas duas denúncias enviadas à Câmara dos Deputados, e que poderiam afastá-lo, a reforma não foi aprovada. A partir da percepção do insucesso nesta reforma, o governo resolveu abraçar a questão da criminalidade no Rio de Janeiro e aprovou medida no congresso nacional que autoriza o Exército a ser o comando das forças de segurança no Estado.

Os resultados dessa intervenção até agora tem sido pífios. Embora tenha índices melhores do que muitos estados brasileiros, a criminalidade aumentou consideravelmente nos últimos três anos e tem características diferentes de outras partes do país com o enfrentamento armado entre traficantes de drogas, milícias e a polícia, enfrentamento causado pela disputa do controle territorial de parte expressiva da área da região metropolitana do Rio, onde residem os mais necessitados, as favelas e os bairros pobres.

As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que conseguiram reduzir substancialmente a criminalidade nas áreas em que foram implantadas nos primeiros anos de existência (a primeira foi inaugurada em 2008), não sem, contudo, enfrentar críticas a respeito de cerceamento da liberdade dos moradores das comunidades, começam a enfrentar problemas a partir da comoção popular gerada pela morte do pedreiro Amarildo, por policiais da UPP da favela da Rocinha, em 2013. O pedreiro foi submetido a tortura e morto por oficiais. A partir de então, a credibilidade do projeto das UPP foi seriamente arranhada. Mas foi a crise econômica o fator mais importante para a deterioração dos serviços públicos no Rio de Janeiro, inclusive na segurança pública, que enfrenta sucateamento da máquina estatal para o setor e falta de efetivo policial em número adequado. O estado foi mais afetado pela severa crise enfrentada pelo Brasil em 2015 e 2016, anos que somam contração do PIB de mais de 7% no país. E isso ocorreu por decisões do governo federal (as quais, portanto, não compete ao governo do Rio), políticas do estado e devido aos efeitos da Operação Lava Jato na economia estadual. No que diz respeito ao governo federal, além das políticas recessivas adotadas desde 2015 (que começaram ainda no governo Dilma Rousseff) a Petrobrás, no governo Temer, mudou a sua gestão, deixando de lado a visão estratégica e de longo prazo que sempre a caracterizou para uma administração focada no curto prazo.  Deixou, portanto, de ser o investidor importante que era recentemente para a economia brasileira em nome da busca da venda ativos e amortização de compromissos financeiros, além da defesa de que o foco da empresa deve ser a exploração de petróleo e gás. Este novo tipo de gestão difere das demais grandes empresas do setor que buscam integrar “do poço ao posto”, agregar valor, produzir derivados e não se especializar na produção da commodity.  A estas novas diretrizes da Petrobrás, que significaram corte de investimentos, com efeitos bastante negativos sobre a atividade econômica e o emprego se somaram os efeitos das investigações da Operação Lava Jato, que afetou os setores petrolífero, de construção naval, de construção civil pesada e energético, incluindo o setor de energia nuclear. Centenas de milhares de empregos foram destruídos pela Operação Lava Jato no Brasil e dezenas de milhares no Rio. Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, a investigação no Brasil impôs punições excessivamente severas às empresas infratoras. Uma dessas condições foi a proibição de várias delas em prestar serviços ao setor público e receber os valores a que tinham direito pelos contratos. Esta medida colocou várias das grandes empreiteiras do Brasil em dificuldades. Não é a prática nos países desenvolvidos onde as empresas assumem compromissos de compliance com a obrigação da adoção de novas práticas e pagamento de multas determinadas pelo governo. Mas não são, em regra, impedidas de ser contratadas pelo Estado, ao menos não por muito tempo. No que tange ao governo estadual uma política excessivamente concessiva de desonerações ao setor privado comprometeu receitas futuras. Então, o setor público do Rio como um todo entrou em crise. Universidades, sistema de saúde, segurança pública estão com o funcionamento precarizado. Portanto, o atual ilegítimo e impopular governo federal brasileiro resolveu apelar para a demagogia da intervenção militar na área de segurança pública, que não é de competência constitucional das forças armadas. Não há nenhum plano, nenhuma discussão com especialistas da área, nem vontade política de enfrentar as causas do problema, que envolvem os problemas do setor de segurança e justiça, mas fundamentalmente os problemas sérios de inclusão econômica e social. “Resolver o problema da insegurança” se tornou bandeira política de um governo que não vai proporcionar a recuperação econômica prometida ao país com as políticas econômicas atuais.

Nesse contexto se deu o assassinato da vereadora Marielle Franco. A legisladora nascida em favela carioca denunciava abusos policiais e estava designada a acompanhar a intervenção militar na segurança, representando o legislativo municipal. O caso ocorreu há mais de dois meses e, até o momento, existem apenas especulações sobre a autoria e os eventuais mandantes do crime. O caso foi notícia em todo o mundo e gerou reações em muitos países. A tragédia de Marielle é um grave ataque à democracia e aos direitos humanos em um país onde mais de 61.000 cidadãos foram assassinados em 2017.                   A prisão do ex-presidente Lula completou um mês no dia 07 de maio. Seus recursos nos tribunais superiores brasileiros, para evitar a sua prisão e pedir a sua soltura, não foram bem-sucedidos.  Houve pressão da imprensa e até dos militares no sentido de que não fosse concedido habeas corpus ao ex-presidente. O comandante do exército disse, no dia anterior ao julgamento do habeas corpus antes prisão: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais” num claro tom de ameaça, que foi destacado principalmente pela TV Globo. Embora não se possa afirmar que a fala do general tenha influenciado o resultado, o fato dos militares voltarem a ter ressonância no debate político brasileiro é um dos exemplos da deterioração político-institucional vivida pelo país nos anos recentes A eleição de outubro deste ano está totalmente indefinida. Lula mantém a sua candidatura. A esquerda conta com outros nomes como o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes. A direita não conseguiu estabelecer candidatura competitiva até o momento. A eleição está marcada para ser disputada dentro deste quadro de degradação institucional e da vida brasileira, na economia e na sociedade.  A esperança é que possa ser um momento de repactuação política e retomada de um projeto nacional. Mas não é certo que isso vai ocorrer.

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Texto originalmente publicado em 2018.

Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina.

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