A eleição presidencial chilena, por Wagner Sousa

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A eleição presidencial no Chile em 2017 concluiu-se com a vitória do candidato de direita, o empresário, dono de uma das maiores fortunas do país e ex-presidente, Sebastián Piñera. A divisão da esquerda entre a coalizão da presidente Michelle Bachelet “Nova Maioria”, substituta da “Concertación” (a aliança entre socialistas e democrata-cristãos que governou o país entre 1990 e 2010) e a “Frente Ampla” ajudou Piñera a vencer. Já o ultradireitista e pinochetista José Antonio Kast apoiou Piñera no segundo turno. Neste derrotou o candidato governista, o apresentador de tv Alejandro Guillier, com 54,6% dos votos contra 45,4%. No primeiro turno Piñera teve 36,6%, Guillier 22,7%, o progressista Marco Enríquez-Ominami 5,7%, a democrata-cristã Carolina Goic 5,9% (estes dois últimos apoiaram Guillier no segundo turno), Beatriz Sánchez, da esquerdista Frente Ampla, teve 20,3% (e não apoiou a Nova Maioria) e Kast teve 7,9%.

A volta de Piñera ao Palácio de La Moneda (sede do governo chileno) está relacionada ao desgaste do governo Bachelet que, ao contrário de seu primeiro mandato (2006-2010), quando terminou com recorde histórico de aprovação popular, acima de 80%, terminou o segundo com boa avaliação para apenas 23% dos chilenos. Acusações de corrupção envolvendo parentes da presidente e um cenário econômico de menor crescimento aumentaram bastante o grau de insatisfação da população. A falta de apoio de Sánchez, que com o eleitorado somado ao de Guillier, poderia ter lhe dado a eleição, também influenciou. Bachelet aprovou mudanças importantes neste seu segundo mandato como, por exemplo, uma reforma tributária para elevar a arrecadação do Estado, a permissão do aborto em determinados casos e a reforma instituindo gratuidade para o ensino superior para aqueles estudantes sem condições de pagar uma universidade. Não foi, contudo, o suficiente para melhorar a imagem da mandatária e eleger o seu sucessor.

Como em outros países, as eleições não mais são momentos de decisão entre candidatos de centro-esquerda e centro-direita, muito parecidos em seu conteúdo e novos polos, à esquerda e à direita estão aparecendo nos certames eleitorais mundo afora. No Chile a desigualdade social de mais de duas décadas de governos com a participação da centro-esquerda criou esta dissidência, a Frente Ampla, que se propõe governar mais à esquerda.

As reformas liberalizantes do período Pinochet e que foram mantidas após a redemocratização como a do sistema educacional e a previdência privatizada são dois exemplos do mal-estar crescente no Chile, em especial nas camadas mais necessitadas, em relação à precarização das condições de vida e da pouca diferença prática entre governos da “Concertación” (Nova Maioria), composta por uma aliança entre a centro-esquerda (socialistas) e a centro-direita (democratas-cristãos) e o primeiro governo Piñera (2010-2014). A “Concertación” não mudou o sistema educacional baseado em subsídios públicos a escolas particulares, para estímulo da competição entre elas, que porém redundou num sistema com pouca inclusão dos mais pobres nas melhores escolas e num “subsídio invertido” das classes populares para as mais abastadas. A privatização da previdência redundou em aposentadorias e pensões mais baixas. Noventa por cento dos aposentados recebe pouco mais da metade do salário mínimo. Esse foi o resultado das projeções de crescimento econômico se mostrarem irrealistas e ações e títulos não renderem o esperado. No sistema chileno apenas os empregados recolhem para a previdência.

O Chile de Piñera ao lado da Argentina de Mauricio Macri e do Brasil do presidente ilegítimo Temer se colocam claramente em uma linha econômica liberal. A desigualdade cresceu no período de todos, incluindo o primeiro mandato do chileno. No entanto, no caso do Chile, forças sociais importantes, como os estudantes, têm protestado por reformas includentes. Com minoria no parlamento é pouco provável que Piñera tente reverter certos avanços sociais de Bachelet, como a gratuidade na educação. Em seu primeiro mandato (2010-2014) enfrentou protestos estudantis massivos. Talvez também não queira correr o risco de vê-los se repetir agora.

No entanto Piñera tem rechaçado manter certas iniciativas importantes de Bachelet como o projeto de uma nova Constituição e também de novas regras para mudança constitucional, introduzindo outras possibilidades como propostas formuladas pelos cidadãos. Esta ideia de nova Constituição propõe, dentre outras questões, reconhecer os povos indígenas como parte fundamental da ordem constitucional, com o direito de ter representação no Congresso e respeito aos seus direitos culturais e linguísticos. No que diz respeito aos direitos das mulheres fez uma série de propostas, inclusive de mudança constitucional com vistas a sua proteção e promoção da igualdade perante os homens. Estas propostas foram precedidas por grandes protestos organizados pelas entidades estudantis. 

Não parece mais suficiente às maiorias no Chile, como em outros países, políticas moderadas de centro-esquerda e centro-direita. O embate entre a demanda por reformas mais profundas com distribuição de renda e inclusão social e uma direita que não parece disposta a concessões que alterem o status quo sócio-econômico do país deve dar o tom da política chilena neste novo mandato de Piñera.       

Foto: José Cruz/ Agência Brasil   

Texto originalmente publicado em 2018.

Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina.

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