A competição sino-estadunidense e o leilão do 5G no Brasil: saia justa? Por Carlos Renato Ungaretti

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A competição estratégica entre Estados Unidos e China têm na disputa pelo mercado mundial da banda de comunicação 5G uma de suas facetas mais evidentes. A guerra comercial e sua centralidade em torno do 5G retrata um nível mais profundo das disputas entre as duas maiores economias do mundo: a do controle sobre a infraestrutura global de telecomunicações e a dianteira da inovação produtivo-tecnológica.

Nesse contexto, desenrola-se ao Brasil uma situação de “saia justa”: o principal aliado internacional do governo Bolsonaro pressiona para restringir a atuação da Huawei na construção da infraestrutura do 5G no Brasil. Ao mesmo tempo, é reconhecida, por parte de grupos de interesse e autoridades do governo, a centralidade das relações com a China, especialmente em termos de comércio e investimento.

Até o momento, o resultado tem sido um comportamento ambíguo e que em parte retrata a desorientação da política externa brasileira. Pretende-se, com esta análise, apresentar o cenário de competição sino-estadunidense e seus efeitos sobre o leilão do 5G – reagendado para 2021 -, bem como sobre os rumos da política externa brasileira.

O leilão do 5G

O leilão do 5G, reagendado para 2021 em razão da pandemia do coronavírus, constitui o primeiro passo para implantação da quinta geração de internet móvel no Brasil. A construção de infraestrutura da rede 5G no Brasil pode atrair até R$ 180 bilhões em investimentos para os próximos anos. O objetivo é inserir o país no novo padrão tecnológico informacional, consequentemente melhorando a rede de telecomunicações e a conectividade do país.

O 5G surge como um aperfeiçoamento da geração anterior (3G e 4G) e com a promessa de manter tudo simultaneamente conectado (computadores e celulares, TVs, geladeiras, carros, máquinas de lavar, câmeras de segurança), ao passo que com uma velocidade até 20 vezes maior. É o que foi nomeado como “internet das coisas”, entendido como base para o desenvolvimento da Quarta Revolução Industrial.

O leilão vai colocar em disputa as operadoras de telefonia (Claro, Oi, Vivo, TIM) pelas radiofrequências dedicadas à transmissão de dados. As licenças serão para operar o serviço de 5G nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz e 26 GHz. Depois disto, ocorrerá a implantação da infraestrutura 5G, que deve contar com a concorrência de três empresas para instalação dos equipamentos: Ericsson (Suécia), Huawei (China) e Nokia (Finlândia)[1].

Justamente aí entra a disputa geopolítica em relação ao 5G e, especificamente, à Huawei, empresa chinesa de telecomunicações com alcance global e com presença em mais de 170 países. Presente no mercado brasileiro desde a década de 1990, a Huawei é um relevante fornecedor para as empresas de telefonia do país, sendo reconhecida pela eficiência e baixo custo de seus equipamentos.

Há, contudo, pressões para que a empresa não participe da implantação da infraestrutura do 5G, acrescentando mais um obstáculo para que o Brasil ingresse na era da “internet das coisas” e no novo padrão tecnológico e informacional. 

A disputa sino-estadunidense e as restrições a Huawei

A guerra comercial sino-estadunidense gradualmente passou a ser caracterizada também como uma disputa pela dianteira da inovação tecnológica e produtiva. No que diz respeito ao 5G, a Huawei é a empresa com o maior número de patentes registradas sobre a nova tecnologia, enquanto a chinesa ZTE aparece em terceiro no ranking, atrás da Samsung.

As acusações contra a China são amplas e envolvem políticas discriminatórias, engenharia reversa e roubo de propriedade intelectual. Em relação à Huawei, a acusação é a de que a empresa não consegue assegurar a segurança de seus equipamentos, colocando em risco a comunicação de temas sensíveis.

Nas palavras de Mike Pompeo, secretário de Estado dos Estados Unidos, a Huawei é um “braço do estado de vigilância do Partido Comunista Chinês[3]”. Internacionalmente, Washington vem se engajando em uma ampla campanha contra a Huawei.

Principal aliado estadunidense na Europa, o Reino Unido anunciou a intenção de formar um grupo – nomeado como D10 -, composto pelas economias do G7 e mais Coreia do Sul, Índia e Austrália, com a finalidade de criar e promover fornecedores de equipamentos 5G alternativos à Huawei[4]. O governo britânico já anunciou a proibição do uso de novos equipamentos da Huawei na rede 5G do país, bem como a remoção de todos equipamentos da empresa até 2027[5].

O embaixador estadunidense no Brasil já ventilou a hipótese de investidores e empresas dos Estados Unidos se retirarem do mercado brasileiro caso a Huawei seja autorizada a participar da rede 5G no Brasil. “Enfrentará consequências”, frisou Todd Chapman[6]. Analistas, porém, pontuam que os Estados Unidos não estariam em condições de impor tantas represálias – não sem custos, ao menos[7]

Alinhamento ou pragmatismo?

Nesse cenário, o governo Bolsonaro entra em mais uma situação de “sinuca de bico” ou de “saia justa”. De um lado, há pressões provindas do aliado preferencial do momento, os Estados Unidos. Por outro lado, um eventual banimento da Huawei do mercado brasileiro poderia abalar as já conturbadas relações sino-brasileiras. Já tratamos aqui[8] sobre as possíveis perdas ao Brasil em caso de uma deterioração nas relações com a China.

Ao longo de 2020, não foram poucas as manifestações, por parte de autoridades do governo brasileiro, de oposição a China. Houve episódios envolvendo o chanceler Ernesto Araújo, que chamou o coronavírus de “comunavírus”[9]. Já o deputado Eduardo Bolsonaro culpabilizou a China e o Partido Comunista Chinês pela disseminação da pandemia[10]. O presidente Jair Bolsonaro chegou a mencionar que o Brasil não estaria disposto a adquirir vacinas “daquele outro país”[11].

Em oposição à “ala ideológica”, emergem, por vezes, vozes dissonantes de grupos de interesse e até mesmo de membros do governo, que defendem uma abordagem mais pragmática em relação à China. Recentemente, o vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou que não teme consequências com a presença da Huawei na rede 5G do Brasil[12]. Em maio de 2019, o vice-presidente já havia realizado uma visita oficial à China com o intuito de amenizar certos ruídos e reafirmar a centralidade do relacionamento sino-brasileiro.

O certo é que a desorientação da política externa brasileira gera comportamentos ambíguos e respostas contraditórias. Nesse ínterim, cabe indagar se interessa ao Brasil seguir com uma política externa de alinhamento automático aos interesses de Washington.

Em nota publicada por um grupo heterogêneo de ex-chanceleres e autoridades ligadas ao campo das relações exteriores, foi destacada a necessidade de reconstruir a política externa brasileira. Segundo o manifesto, a atual diplomacia contraria, “na letra e no espírito”, os princípios constitucionais orientadores das relações internacionais do Brasil[13].

A correção de rumos da errática política externa brasileira permitiria aproveitar as oportunidades emanadas com o conflito sino-estadunidense. No caso do 5G, permitiria não apenas a modernização da infraestrutura de telecomunicações em condições vantajosas, mas também a reafirmação do princípio da autonomia e a retomada do desenvolvimento enquanto objetivo central da política externa.

Foto: Divulgação/ Huawei

Carlos Renato Ungaretti é Bacharel em Relações Internacionais (ESPM) e História (UFRGS). Especialista em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas (PPGEEI-UFRGS) e mestrando no PPGEEI-UFRGS. Atualmente, dedica-se ao estudo de temas em Economia Política Internacional, com destaque para investimentos chineses na América do Sul.

Referências

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-22/leilao-do-5g-no-brasil-e-novo-capitulo-da-guerra-fria-do-seculo-xxi-entre-china-e-estados-unidos.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/25/economia/1558795538_036562.html

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50468237

Tecnologia 5G: O Brasil como palco da disputa estratégica entre China e Estados Unidos

Notas:

[1]https://www1.folha.uol.com.br/tec/2020/03/inicio-do-5g-no-brasil-depende-de-leilao-e-instalacao-de-infraestrutura.shtml#:~:text=Se%20tudo%20correr%20conforme%20o,5G%20deve%20come%C3%A7ar%20em%202021

[2]https://www.statista.com/chart/20095/companies-with-most-5g-patent-families-and-patent-families-application/

[3] https://oglobo.globo.com/economia/china-diz-que-eua-enganaram-reino-unido-sobre-huawei-24533341

[4]https://www.scmp.com/news/world/europe/article/3086774/uk-wants-us-form-10-nation-5g-alliance-cut-reliance-chinas-huawei

[5]https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/07/14/reino-unido-exclui-huawei-de-sua-rede-5g.ghtml

[6]https://oglobo.globo.com/economia/embaixador-dos-eua-alerta-que-se-brasil-permitir-chinesa-huawei-no-5g-enfrentara-consequencias-24555785?fbclid=IwAR3pA5aHIPGsCPjU5hOi9eYphsZwurrfxzTBTUqC0Uzs4mh6NbsOZrkKLVQ

[7]https://br.sputniknews.com/opiniao/2020072915883841-5g-eua-nao-tem-condicoes-de-punir-brasil-por-parceria-com-huawei-diz-especialista/

[8] https://www.ufrgs.br/nebrics/tag/diplomacia-guerreiro-lobo/

[9] https://www.metapoliticabrasil.com/post/chegou-o-comunav%C3%ADrus

[10]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/19/ernesto-araujo-quer-que-embaixador-da-china-se-retrate-por-resposta-a-eduardo-bolsonaro.ghtml

[11]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/07/30/bolsonaro-aposta-em-vacina-de-oxford-nao-e-daquele-outro-pais.htm

[12]https://oglobo.globo.com/economia/brasil-nao-teme-consequencias-em-disputa-entre-china-eua-por-5g-diz-mourao-1-24564699

[13] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/05/a-reconstrucao-da-politica-externa-brasileira.shtml

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