Venezuela: o que levou à severa crise econômica? Por Wagner Sousa

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A recente iniciativa anunciada pelo presidente Nicolás Maduro de promover uma reforma monetária em uma tentativa de debelar o processo hiperinflacionário (previsão de inflação de mais de 1 milhão por cento em 2018 e 10 milhões por cento em 2019) e possibilitar a recuperação da economia. Duas novas moedas foram criadas: o bolívar soberano, que substitui o bolívar forte, com o corte de cinco zeros e o petros, uma criptomoeda (portanto, que só existe virtualmente) lastreada nas reservas de petróleo do país. Haverá uma taxa de câmbio entre as moedas que será determinada pelo mercado. Predomina, contudo, bastante ceticismo em relação ao êxito desta reforma. O problema é essencialmente político, o governo enfrenta forte oposição doméstica e internacional e contestações quanto à sua legimitidade (que ganhou força com a dissolução do parlamento controlado pela oposição e convocação de uma constituinte) e é muito difícil implementar com sucesso um plano de estabilização sem o suficiente apoio interno e externo. Além disso é necessário enfrentar os problemas fiscais e as condições para a recuperação do consumo e produção interna. Analistas dizem que é muito provável que a inflação se reduza num primeiro momento e volte a ganhar força depois.

O que levou a Venezuela à atual situação? Descontrole inflacionário, falta de produtos nos supermercados e expressivo aumento da pobreza com um grande fluxo de migrantes para países vizinhos (em especial Colômbia e Brasil) apresentam uma Venezuela bem diferente daquela dos anos 2000 em que Hugo Chávez se utilizava da renda petrolífera em elevação devido à alta nas cotações do barril de petróleo para distribuir renda e benefícios sociais à população. As razões são várias e vão de problemas na gestão macroeconômica e dos recursos petrolíferos pelo chavismo à uma crônica instabilidade política promovida por uma elite antipopular associada a interesses externos, em especial dos EUA. Nos últimos anos, as sanções promovidas pelos Estados Unidos têm se colocado como mais um obstáculo para a obtenção de crédito e rolagem da dívida venezuelana.  

O economista Rafael Bianchini Paiva resumiu bem a trajetória econômica venezuelana, neste trecho, publicado no site da revista Carta Capital, referente ao período anterior e durante o governo de Hugo Chávez: “De acordo com dados do Banco Mundial, entre 1961 e 1979, o PIB per capita venezuelano cresceu em média 1,1% ao ano, patamar bastante modesto considerando que o país integra a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e os anos 70 foram marcados pelos choques do petróleo. Como a maioria dos países latino-americanos, a crise da dívida externa abateu a economia da Venezuela, cujo PIB per capita caiu 22,2% entre 1980 e 1985. Em 1998, o PIB per capita era apenas 1,8% maior do que o de 1960. No fim dos anos 90, enquanto a maioria dos países da América do Sul ostentava índices de um dígito, a inflação aos consumidores foi de 35,8% em 1998, depois de atingir um pico de quase 100% em 1996. Os índices de desigualdade e pobreza eram tipicamente latino-americanos: em 1998, o índice Gini do país era de 0,489 e 43,9% dos domicílios viviam abaixo da linha de pobreza, sendo 17,1% abaixo da pobreza extrema. Em outras palavras, ao contrário de uma narrativa que tem se tornado bastante comum recentemente, Hugo Chávez se tornou presidente em um país estagnado, de inflação elevada, muito desigual e com elevado índice de pobreza. Sob a presidência de  Chávez, entre 1999 e 2012, o PIB per capita cresceu em média 1% ao ano, índice próximo àquele obtido durante o boom do petróleo dos anos 60 e 70. Entre 1999 e 2006, a inflação foi de cerca de 20% ao ano, relativamente baixa para os padrões da Venezuela. Nesse período, as desvalorizações do bolívar mantiveram a taxa de câmbio real relativamente estável. A tentativa frustrada de golpe de Estado em 2002 acarretou profunda recessão. Entre 2002 e 2003, o PIB per capita caiu 18,9%. E no fim de 2003, a pobreza atingia 55,1% da população, sendo um quarto em situação de pobreza extrema. Politicamente, a saída enfrentada pelo chavismo foi radicalizar as políticas voltadas à redução da pobreza e melhora da distribuição de renda. Devido a essas políticas, em 2012 a pobreza foi reduzida para 21,1% dos domicílios, sendo 6,0% abaixo da pobreza extrema. Os indicadores de desigualdade são ainda melhores para expressar as consequências da radicalização do chavismo. O índice Gini, que teve leve aumento entre 1998 e 2002, caiu para 0,404 em 2012, nível de países como os Estados Unidos. A parcela da renda recebida pelos 20% mais ricos caiu de 54,1% em 2002 para 44,8% em 2012, enquanto os outros quatro quintos aumentaram sua parcela. A mudança na distribuição de renda é o indicador econômico que melhor sintetiza o aumento da polarização política.”

No entanto, já nos últimos anos do período Chávez o câmbio foi utilizado para frear a inflação numa economia bastante aquecida, o que provocou sobrevalorização cambial e agravou a dependência econômica do petróleo, embora o governo tenha tentado diversificar a economia. A Venezuela sofreu o que se chama de “doença holandesa”, a entrada de um volume expressivo de recursos em moeda forte (dólar) que provocou expressiva valorização da moeda nacional e desestimulou a produção em outros setores. Maduro não promoveu os ajustes necessários, especialmente no campo fiscal, o que alimentou a inflação. Tentativas posteriores de controles de preços somadas à queda do preço do petróleo agravaram ainda mais a situação da economia venezuelana, que hoje dispõe de menos de 10 bilhões de dólares em reservas cambiais, algo em torno de 10% da sua dívida externa.  A manipulação cambial e os controles que foram implementados, mas não se revelaram eficazes, fizeram a inflação chegar ao estágio hiperinflacionário que se tem hoje.

O trecho em negrito de parágrafo acima mostra que, por quase uma década, entre 2003 e 2012, o chavismo conseguiu um êxito extraordinário na redução das desigualdades sempre existentes no país. O que explica, em grande medida, a oposição ao chavismo nas classes mais abastadas. Erros de política econômica a partir do final do governo Chávez e sobretudo na gestão Maduro agravaram a crise. Outro fator que tem prejudicado a economia do país é a persistente queda na produção de petróleo que, de mais de 3 milhões de barris/dia em 1999 está hoje em menos de 1,5 milhão/dia. Diversos problemas que vão de gestão inadequada a perdas em disputas judiciais com petroleiras estrangeiras, pagamento de dívida (50 bilhões de dólares) com China com óleo e subsídio ao consumo interno ( a gasolina venezuelana é mais barata do mundo), dentre outros, prejudicaram a capacidade de investimento da petroleira e resultaram em redução da produção.

 Mas não há deixar de apontar que as sanções adotadas contra a Venezuela no governo Trump, em 2017, ao promover uma verdadeira asfixia financeira do país, estão colaborando muito, sendo decisivas, para tornar o quadro dramático. Parece claro que os EUA atuam para derrubar o governo Maduro e o fazem tanto financiando opositores quanto através de sanções. Estas tem dificultado a obtenção, pela Venezuela, de recursos em dólar para cumprir suas obrigações internacionais e conseguir importar produtos essenciais. Diz o site Deutsche Welle sobre as sanções: “Os Estados Unidos anunciaram nesta sexta-feira (25/08) novas sanções econômicas à Venezuela, em meio à escalada de tensão entre os dois países. O decreto, assinado pelo presidente Donald Trump, proíbe novos negócios com o governo em Caracas ou com a estatal petrolífera PDVSA. Com a medida – que representa mais um passo no endurecimento das sanções prometido por Trump –, instituições financeiras ficam impedidas de fornecer capital ao governo venezuelano e à petroleira. Estão proibidas novas compras de títulos de dívida e de ativos emitidos por ambos, bem como o pagamento de dividendos a Caracas e transações com títulos que sejam de propriedade do setor público da Venezuela. Mesmo a subsidiária americana da PDVSA, a Citgo, não poderá enviar dividendos de volta ao país sul-americano. Apesar de envolver negócios com a estatal petrolífera, o decreto não impôs sanções contra as importações de petróleo da Venezuela, fundamental para a economia do país e também para as refinarias americanas – os EUA são um grande importador do produto”.

Como os bancos de todo o mundo transacionam no mercado norte-americano a Venezuela tem encontrado grande dificuldade de se financiar. Desde Chávez, tem buscado aproximação com outros atores como China, Rússia e Irã. Firmou parcerias na área petrolífera com chineses e russos, para venda e exploração de petróleo e conseguiu bilhões de dólares em recursos, porém China e Rússia não parecem dispostos a aportar mais recursos e aumentar a sua exposição ao risco no país. O grande mercado do petróleo venezuelano continua sendo os Estados Unidos.

 Outro fator que não tem ajudado a Venezuela é a ascensão de governos de direita hostis na América do Sul, incluindo Brasil e Argentina. O Brasil, que por vários anos desempenhou papel importante nas negociações entre governo e oposição, atuando pela distensão, a partir do governo de Michel Temer adotou postura de apoio à oposição venezuelana e contrária ao governo Maduro nos foros internacionais, incluindo o Mercosul. A Argentina de Macri, em atitude totalmente divergente da colaboração que existia no período Kirchnner, se tornou também antagonista em uma visão marcadamente ideológica. O resultado prático dessas posturas tem sido não oferecer nenhuma colaboração para mediar saídas para a polarizada disputa política venezuelana. O governo Maduro encontra-se com insuficiente apoio político, interno e externo, o que dificulta muito a saída da grave crise econômica e social em que o país se encontra.

Referências:

PAIVA, Rafael Bianchini. A tragédia econômica venezuelana. Publicado em 30/08/17 no site de Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/blogs/conjunturando/a-tragedia-economica-venezuelana

DEUTSCHE WELLE. EUA aplicam novas sanções à Venezuela. Publicado em 25.08.17 no site Deutsche Welle Brasil. https://www.dw.com/pt-br/eua-aplicam-novas-san%C3%A7%C3%B5es-%C3%A0-venezuela/a-40246608

Foto: TWNM

Texto publicado originalmente em 2018.

Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina

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