Não tem nada a ver com a inflação dos anos setenta, por Jeffrey Frankel

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CAMBRIDGE – Será que os Estados Unidos e outras economias avançadas estarão a vivenciar a estagflação, ou seja, a combinação infeliz de inflação alta com crescimento baixo na produção e no emprego que caracterizou os meados da década de 1970? Pelo menos no caso dos EUA, a resposta é não. Hoje, os EUA estão perante uma inflação moderada, sem a parte da estagnação. Isso remete-nos para a década de 1960 e não para a década que se seguiu.

É verdade que a inflação dos preços para o consumidores subiu para uns inesperados 6,2% desde o início do ano até outubro, o índice mais elevado desde 1991. Poucos ainda preveem um retorno antecipado da inflação nos 2%, a meta a longo prazo da Reserva Federal (Fed) dos EUA. A inflação também atingiu o seu pico em dez anos no Reino Unido (4,2%) e na União Europeia (4,4%), embora permaneça baixa no Japão.

No entanto, ao contrário da estagflação da década de 1970, a recuperação dos EUA desde a recessão de 2020 induzida pela pandemia tem sido firme, com tendência para a alta, a julgar pelos indicadores do PIB e do mercado de trabalho. A crescente procura por bens está a deparar-se com restrições na oferta, incluindo constrangimentos portuários e escassez de chips, resultando numa inflação de preços. Enquanto isso, a crescente procura de mão de obra está a colidir com uma oferta limitada pelos efeitos persistentes da pandemia. Isto resultou numa inflação de salários.

A taxa de desemprego nos Estados Unidos caiu dos 14,8%, em abril de 2020, para os 4,6%, em outubro de 2021, o que teria sido considerado próximo ao pleno emprego durante a maior parte dos últimos cinquenta anos. Contrariamente, o desemprego atingiu os 9% no estagflacionário mês de maio de 1975. Outros indicadores atuais apontam para um mercado de trabalho ainda mais apertado: a proporção de vagas de emprego para trabalhadores desempregados é a mais alta já registada, assim como a taxa de demissões. O crescimento salarial também está em alta, principalmente na extremidade inferior da distribuição salarial.

Apenas a participação da mão de obra permanece substancialmente em baixa. Parte da redução recai sobre as aposentações, mas a maioria deve-se à COVID-19.

Os indícios sugerem que o problema da economia dos EUA não tem a ver com uma procura insuficiente, que poderia ser resolvida com a expansão monetária e fiscal, mas sim com uma oferta inadequada, que a expansão monetária e fiscal não pode resolver. Em particular, tanto o PIB nominal como as medidas diretas da procura interna, tais como despesas pessoais reais ou vendas do varejo, retomaram as suas tendências pré-pandemia a longo prazo. Quando a procura excede a oferta, o resultado é um déficit comercial e a inflação. Estamos a assistir, atualmente aos dois.

Estes problemas são, de certo modo, bons problemas para se ter. Não há dúvida que é melhor que tanto a oferta como a procura recuperem, embora seja preferível que a procura recupere mais rapidamente, do que nenhuma delas recuperar. A economia dos EUA avançou muito mais do que se previa há um ano. Também está à frente de outros países, como o Reino Unido afetado pelo Brexit, na medida em que o PIB está agora acima do seu nível antes da pandemia.

A política monetária não pode fazer nada para para aliviar as restrições da capacidade produtiva. Mas estas restrições podem desaparecer por conta própria no próximo ano, à medida que os portos começam a descongestionar, as cadeias de abastecimento se normalizarem, os trabalhadores mais exigentes encaixam nos empregos que desejam e a oferta reage aos altos preços desses setores específicos que enfrentam um agudo excesso de procura.

Em vez de se assemelhar à década de 1970, o presente assemelha-se, portanto, mais com o final da década de 1960, outra época de crescimento rápido e mercados de trabalho limitados. A inflação no consumidor atingiu os 5,5% em 1969.

Alguns temem que a inflação moderada de hoje acabe por se transformar em expetativas, desencadeando uma espiral de salários e preços e acabe por se assemelhar à alta e persistente inflação da década de 1970. Isso não é impossível e não devemos ser complacentes com a inflação. Mas é improvável que os governantes voltem a repetir os erros cometidos naquela época.

Esses erros começaram com o aumento dos gastos do governo para financiar a Guerra do Vietnam, sem a receita de impostos para pagar esses gastos. Continuaram em 1971, quando o presidente da Fed, Arthur Burns, e o presidente Richard Nixon reagiram ao aumento da inflação com uma combinação de rápido estímulo monetário e controles de salários e preços. Uma economia sobreaquecida fez saltar a tampa da panela em ebulição, alguns anos depois, e a inflação disparou acima dos 12%.

É verdade que a Fed estava excessivamente otimista nas suas previsões para a inflação deste ano, com esperança de que os aumentos de preços fossem menores e mais temporários. Larry Summers e Olivier Blanchard acertaram em cheio em fevereiro, quando previram corretamente que o rápido crescimento levaria à inflação.

Mas, embora as previsões de inflação da Fed estivessem longe do alvo, as suas ações, sem dúvida, não ficaram muito longe da meta. É verdade que a Fed não esperava começar a reduzir as suas compras mensais de ativos – a chamada flexibilização quantitativa – já em novembro de 2021. Mas respondeu de forma adequada aos dados recebidos sobre a inflação, bem como sobre o vigor da economia, ajustando o momento certo dos seus planos.

Além disso, os mercados mal reagiram ao anúncio da redução progressiva, feito no dia 3 de novembro, indicando que o (agora renomeado) presidente da Fed, Jerome Powell, enviou com sucesso a mensagem sobre a reconsideração do banco central – em contraste com 1994 e 2013, quando os investidores não conseguiram prever o início dos ciclos de maior restritividade. Se a Fed começar a aumentar as taxas de juro a curto prazo, em meados de 2022, também não apanhará os mercados de surpresa.

O presidente Joe Biden pode fazer relativamente pouco para conter o aumento altamente impopular da inflação. Ele já interveio para ajudar a descongestionar portos e outras logísticas da cadeia de abastecimento. O aumento da vacinação contra a COVID-19 iria impulsionar a oferta de mão de obra, mantendo, por exemplo, as crianças nas escolas, embora seja difícil dizer o que é que Biden poderia fazer mais aqui.

Uma boa maneira de se moderar a inflação seria permitir mais importações. As tarifas aplicadas pelo ex-presidente, Donald Trump, em muitos produtos – inclusive o alumínio e o aço, e praticamente todas as importações dos EUA provenientes da China – aumentaram os preços para os consumidores. Biden deve ter a capacidade de persuadir a China e outros países a reduzirem algumas barreiras comerciais contra os EUA em troca da eliminação das tarifas dos EUA. Seja como for, a liberalização do comércio pode reduzir rapidamente alguns preços.

Há quem argumente que os novos gastos do governo previstos no projeto de lei de gastos sociais de Biden podem contribuir para aumentar a inflação, seja porque desaprovam um grande governo ou porque um dólar gasto aumenta mais a procura do que um dólar de receita tributária a reduz. Outros acham que o efeito líquido sobre a inflação será benéfico (principalmente a longo prazo), porque muitos dos programas planeados, como o ensino pré-escolar universal de qualidade, aumentarão a oferta de mão de obra.

Independentemente desses argumentos, o efeito da nova legislação sobre a inflação deve ser mínimo. O pacote de infraestruturas de Biden e os gastos sociais propostos devem ser julgados pelos seus próprios méritos. O aumento da inflação nos EUA reflete a rápida recuperação da economia da recessão causada pela a COVID-19, o que significa que devemos parar de pensar na década de 1970.

Foto: Wikimedia Commons

Jeffrey Frankel, professor de Formação e Crescimento de Capital na Universidade Harvard, exerceu anteriormente funções como membro do Conselho de Consultores Económicos do presidente Bill Clinton.

Copyright: Project Syndicate, 2021.
www.project-syndicate.org

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