As instituições adequadas para a transição climática, por Mariana Mazzucato

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LONDRES – Durante a semana passada, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Glasgow (COP26), participei de um painel com políticos nacionais importantes, incluindo o primeiro ministro escocês Nicola Sturgeon e a ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera, para discutir como podemos levar a sério a questão da economia verde. Enquanto os líderes mundiais, predominantemente masculinos, discutiam sobre compromissos, posturas e promessas – o que a ativista sueca Greta Thunberg memoravelmente considerou como mais “blá, blá, blá” – nosso painel de mulheres focou na questão substancial sobre quais novas ferramentas e instituições o mundo vai precisar para seguir  o processo de descarbonização.

Após a COP26, está mais claro do que nunca que promessas e políticas hierárquicas não são suficientes. Em vez disso, precisamos de uma transformação estrutural e institucional desde a base. Nossa única esperança de manter o aquecimento global dentro de limites “seguros” (na verdade, a meta estabelecida é muito mais segura para alguns do que para outros) é acelerar uma transição verde com um investimento público massivo e coordenado, voltado para saltos em inovação e uma mudança de paradigma econômico.

Bem como a mudança climática é um fenômeno dinâmico e não linear, que passa por uma série de pontos críticos – cada um com seus próprios efeitos colaterais, tornando extremamente difícil prever o ritmo e a escala da mudança – o processo de restringi-la ou até mesmo revertê-la depende de pontos críticos em cascata na outra direção. Saltos sinérgicos em inovação tecnológica e transformação institucional podem precipitar ciclos de feedback positivo e efeitos multiplicadores cumulativos.

Esse é precisamente o objetivo do que chamei de política de inovação orientada para a missão. Precisamos organizar recursos e alinhar as políticas econômicas em torno de objetivos mensuráveis, tais como o surgimento de inovações tecnológicas e a formação de novos mercados. Cada missão deve ser inspiradora e catalisadora, e requer que muitos atores e setores inovem e colaborem de novas maneiras – seja para uma cidade neutra em carbono ou para um oceano sem plástico. Cada missão deve atrair investimentos de muitos atores, com fortes condicionalidades associadas a qualquer forma de apoio público, de modo a impulsionar as “cascatas de inclinação ascendente” que irão expandir o horizonte tecnológico atual e inaugurar um futuro de carbono zero. No entanto, para reorientar a economia em torno de saltos de inovação orientados para a missão, precisaremos de novas instituições em todos os níveis, desde os locais até os globais.

Em nível internacional, por exemplo, uma “Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear para tecnologia climática” (modelado no organismo europeu de pesquisa científica supranacional) pode coordenar os investimentos dos governos participantes, usando uma fonte coletiva para financiar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras que o setor privado não buscará por conta própria, seja porque são muito arriscados ou porque os retornos financeiros são muito baixos. Essa ideia foi apresentada no relatório final do Painel de Resiliência Econômica do G7, no qual representei a Itália.

Já em nível nacional, os bancos públicos de investimento verde podem fornecer o capital paciente necessário para expandir os mercados de carbono zero. Um modelo promissor é o Scottish National Investment Bank, ou Banco de Investimento Nacional Escocês (que tive a honra de ajudar a fundar), uma instituição financeira pública cuja missão principal é ajudar a descarbonizar a economia da Escócia. O novo banco irá catalisar investimentos em setores e empresas que estão se especializando em tecnologias de carbono zero.

Por último, mas certamente não menos importante, é o nível municipal, onde a ação climática se materializa em projetos tangíveis, como moradias com carbono zero, bairros sem carros e cadeias de abastecimento circulares. Aqui, o novo Conselho de Iniciativas Urbanas, co-organizado pela University College London, pela Escola de Economia e Ciência Política de Londres e pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos, tem um papel crítico a desempenhar no compartilhamento de informações sobre projetos bem-sucedidos e alinhá-los com acordos internacionais,  sobretudo aqueles oriundos da COP26.

Essas instituições precisarão da adesão e do engajamento dos cidadãos – e especialmente dos trabalhadores vulneráveis – para decolar. Os gilets jaunes (coletes amarelos) e outros movimentos de protestos de reação demonstraram por que o impulso por trás da transição verde deve vir de baixo. O pensamento por trás das propostas do “Green New Deal” aproveitar as energias populares, colocando as pessoas no centro da transição econômica.

A participação popular significa envolver os cidadãos em processos de nível comunitário, tal como a Comissão de Renovação de Camden, a qual usou debates importantes entre associações de residentes para colocar os conjuntos habitacionais no centro da estratégia de crescimento limpo do bairro de Londres. Além disso, também significa convidar associações comunitárias, cooperativas e sindicatos para formar “parcerias público-comuns” com os governos. Outra opção é estabelecer assembleias de cidadãos sobre as mudanças climáticas, como fez a Espanha. Essas inovações institucionais servirão como base para um novo contrato social, a única maneira de construir a confiança pública e alcançar uma transição socialmente justa.

O maior erro do ativismo climático foi o fracasso em fazer um caso convincente e realista para uma transição verde que promova os interesses dos trabalhadores. Um “Green New Deal” que crie novos empregos, aumente os padrões de vida e reduza a precariedade e a desigualdade deve ser a maior prioridade. O sucesso da transição verde dependerá de medidas que garantam que os trabalhadores cujos empregos estão ameaçados pela descarbonização possam adquirir habilidades e empregos na nova economia. Salvo, eles deveriam receber uma renda mínima garantida como um direito básico.

Isso não acontecerá a menos que os trabalhadores tenham um lugar na mesa de negociações. Quaisquer que sejam as novas promessas que a COP26 tenha trazido no cenário global, precisaremos redobrar o trabalho dos bastidores da construção institucional, com ênfase especial na ampliação da participação para incluir cidadãos comuns. Evitar um desastre climático exigirá experimentação generalizada com novas tecnologias – e, não menos importante, com novas instituições em todos os níveis.

Foto: Envato

Mariana Mazzucato, Professora de Economia da Inovação e Valor Público na University College London, é Diretora Fundadora do Instituto UCL para Inovação e Propósito Público. Ela é a autora, mais recentemente, de Mission Economy: A Moonshot Guide to Changing Capitalism (Allen Lane, 2021).

Direitos autorais: Project Syndicate, 2021.

www.project-syndicate.org

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