A dimensão social na restauração ecológica, por Eliane Ceccon

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Sem dúvida, a degradação do solo e dos serviços ecossistêmicos impactam drasticamente a qualidade de vida humana, principalmente entre aqueles que vivem no meio rural. As mudanças climáticas também afetarão  o planeta por vários séculos, se as emissões não forem substancialmente reduzidas ou interrompidas por completo em pouco tempo. Portanto, diante de uma crise ambiental iminente, a sociedade terá que mudar seu paradigma para enfrentar essa crise e adaptar as atividades humanas a essa nova realidade socio-ecológica.

Por outro lado, esta crise tem apresentado várias oportunidades para a “restauração ecológica”, que é “um processo de assistência na reconstrução de um ecossistema que foi degradado, danificado ou destruído”, de acordo com os princípios da Internacional Sociedade de Restauração Ecológica. Como consequência, muitos países vem demosntrando uma forte vontade política para atingir metas ambiciosas, como a restauração de 350 milhões de hectares de cobertura florestal até 2030 (Bonn-Challenge 2018). A segunda grande grande oportunidade política é a chamada “Década da Restauração de Ecossistemas (2021 a 2030)”, declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), que também preconiza a restauração de 350 milhões hectares em todo o mundo. Os principais objetivos desta iniciativa são a cooperação e mobilização dos setores financeiros para disponibilizar fundos para as atividades produtivas e, ao mesmo tempo, sensibilizar a sociedade para a importância dos ecossistemas funcionais para o bem-estar humano.

No entanto, vários especialistas criticam o atual modelo de restauração via tecnologica da ONU-FAO, baseado exclusivamente na produtividade ou no reparação, porque negligencia a conservação da biodiversidade e não aborda a necessidade de mudar o atual cenário neoliberal, como a falta de justiça social, que prevalece nos modelos econômicos atuais e que é considerada uma das causas importantes de degradação dos ecossistemas. Esses modelos também falham principalmente porque os paradigmas da relação sociedade-natureza permanecem os mesmos. Se esses paradigmas não forem alterados, a restauração será apenas metaforicamente um “band-aid” nos ecossistemas degradados, ou seja, uma cura superficial para uma doença grave, mas não garantirá a persistência de áreas restauradas no futuro, porque não resolve as causas socio-economicas e culturais da degradação.

Portanto, incluir a dimensão humana na restauração é um processo inevitável, pois seus objetivos e práticas são atividades carregadas de valores que envolvem percepções, crenças, emoções, conhecimentos e comportamentos humanos. Além disso, a prática da restauração ecológica também apresenta uma dinâmica de problemas e incertezas, exigindo aprendizado e negociação contínuos entre os participantes, ao invés de uma única solução para um único problema. Em última análise, a restauração ecológica deve ser um projeto humanístico, com o objetivo de alcançar novos valores humanos em relação à natureza, o que requer a participação de todos os setores da sociedade.

A importância da participação social

A participação social é um envolvimento significativo de todos os atores interessados no planejamento e execução de projetos, buscando o bem-estar pessoal e comunitário. Em projetos de restauração, a participação social pode fortalecer a percepção da legitimidade das decisões relacionadas com as comunidades locais e facilitar a implementação e persistência do projeto. O processo também pode construir e fortalecer relações, por meio da confiança, reciprocidade e normas dentro da comunidade (conhecido como capital social). Além disso, as comunidades locais tendem a ter um grande conhecimento, crenças e valores de conservação sobre seus ecossistemas, o que é essencial para a gestão dos recursos a um nível local.

Portanto, para que a participação social seja efetiva, é importante garantir uma troca de saberes, principalmente na fase de diagnóstico e planejamento, o que permite que essas  comunidades na prática, desenvolvam  uma “aprendizagem social”. Essas comunidades de práticas são compostas por pessoas que participam de um processo de aprendizagem coletiva, em um domínio compartilhado de esforço humano, onde a aprendizagem social é uma das consequências, e pode causar mudanças sociais, principalmente porque  as pessoas aprendem “umas com as outras” e com a natureza em um intercambio de ideías.

Como estabelecer a participação social em projetos de restauração?

A essência do processo é o estabelecimento de um intenso diálogo de saberes entre os promotores do projeto e os atores sociais interessados (identificados através do mapa de atores), que se inicia na fase de diagnóstico e planejamento e é baseado em avaliações técnicas e sociais. Na avaliação social, o planejamento do manejo  deve ser baseado nas perspectivas dos atores locais. A primeira condição é entender os problemas agrícolas e ecológicos do ponto de vista do agricultor. Por exemplo, as atividades podem ser observadas primeiro no campo por meio da perspectiva da ‘observação participante’, seguido pelo mapeamento das propriedades da região de alcance do projeto, por meio da classificação local do solo e da vegetação, ou pela organização de oficinas com agricultores para definir uma agenda de problemas sócio-ecológicos. Uma discussão local sobre o estado atual da vegetação nativa também poderia ser estimulada pela coleta de informações da história oral e pedindo aos informantes que imaginassem como seria a paisagem quando eles, ou seus filhos, fossem mais velhos.

Usando o conhecimento e a experiência adquiridos com este processo, os promotores devem ser capazes de envolver-se em atividades participativas e mediar conflitos que inevitavelmente surgirão. Regras, normas e sanções comuns a todos devem ser acordadas mutuamente entre todos os atores. Como não é prático o envolvimento de todos os participantes em todas as etapas do processo, a comunidade deve designar grupos de trabalho de porte gerenciável, que serão responsáveis ​​por diagnosticar, planejar, implementar e monitorar o projeto.

Além disso, as metas devem ser formuladas levando em consideração as restrições ecológicas e sociais do projeto de restauração e o processo participativo na tomada de decisoes. As limitações biológicas podem desempenhar um papel crítico e desencorajar a participação social. Portanto, é importante ter conhecimento científico adequado e manter a relação custo / benefício do projeto, para garantir resultados biológicos e econômicos positivos. Devido aos seus altos custos imediatos, a restauração deve ser conduzida primeiro por incentivos econômicos, à medida que as florestas crescem e, eventualmente, começam a compensar os custos iniciais com benefícios a longo prazo. No entanto, o tipo de incentivo que será eficaz dependerá das condições políticas, sociais e econômicas locais.

 A comunicação deve ser horizontal e permear todas as fases do projeto. Além de estabelecer o projeto de restauração, a equipe técnica deve permitir que sejam questionados os limites entre o saber tradicional e local. É importante identificar um espaço comum que permita a integração de conhecimentos de diferentes fontes, mesmo quando esse conhecimento seja construído por meio de lógicas e epistemologías diversas. É necesário também garantir que o projeto seja divulgado na mídia para que a sociedade como um todo, construa sentido e reconheça a importância da restauração.

A próxima etapa é desenvolver e implementar estratégias de restauração com forte participação dos atores interessados, para promover uma aprendizagem coletiva e construir um significado común da restauração entre todos os participantes. Essas etapas devem promover processos adicionais que permitam atores adquirir conhecimentos e habilidades úteis para a gestão de ecossistemas restaurados a médio e longo prazo. Portanto, o sucesso de um projeto de restauração não pode ser medido apenas pelos resultados biológicos. É importante que o projeto ajude a fortalecer as habilidades dos atores interessados para que em um futuro, possam empoderar-se no controle dos recursos naturais das suas comunidades. Os projetos devem aumentar o capital social, fortalecendo a confiança dos atores para investir em atividades coletivas, sabendo que outros também o farão. Relacionamentos baseados na confiança facilitam a cooperação e podem até reduzir os custos de transação do projeto de restauração, uma vez que, ao invés de investir em um proceso de fiscalização, os indivíduos podem confiar uns nos outros e agirem conforme o esperado.

Uma vez que um projeto de restauração é estabelecido, um monitoramento participativo consistente, por meio de uma abordagem de manejo adaptativo, também pode corrigir ações que não produziram os resultados esperados. O manejo adaptativo comumente envolve vários mecanismos para motivar os grupos sociais a aprender uns com os outros (aprendizagem social) e refletir sobre diferentes valores e pontos de vista. Por fim, quando o ecossistema restaurado adquire capacidade de autorregulação e os atores tenham aprendido as ferramentas necessárias para realizar o manejo do ecossistema a longo prazo, de acordo com os objetivos iniciais do projeto, é importante remover os agentes externos (gestores).

Conclusão

A Década de Restauração de Ecossistemas da ONU tem potencial não apenas para gerar modelos de reparação  ou restauração tecnológica baseados na produtividade, mas também para mudar os paradigmas da relação sociedade-natureza. Para alterar esses paradigmas, é necessário construir uma ponte entre as ciências naturais e sociais, promovendo a dimensão humana em projetos que possam gerar um aprendizagem social sobre a importância da restauração ecológica.

Nesse sentido, é necessário que os atores socias interessados possam participar da tomada de decisões, respeitar seus saberes ancestrais e garantir a autonomia e delimitação de um território.

Na próxima década de restauração ecológica, a inclusão da dimensão humana na restauração será, sem dúvida, uma forma fundamental para enfrentar os desafios de um planeta em crise.

Eliane Ceccon é graduada em Engenharia Florestal pela UFPR, Mestre em Ciências Florestais pela UFPR e Doutora em Ecologia pela Universidade Nacional Autônoma do México. Professora do Departamento de estudos socioambientais – Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Faz parte do conselho editorial de AmericaLatina.net

Este texto se baseia nas ideias expressas em:

Ceccon E. 2021.The human dimension in landscape restoration: The case of the Xuajin Me´Phaa, an indigenous NGO in the “La Montaña” region of Guerrero State, Mexico. In: Schweizer D. and Ghazoul J. (eds) (2021) Forests for the future: Restoration success at landscape scale – what will it take and what have we learned? Prince Bernhard Chair Reports (issue 1). Series editors Almond, R.E.A., Grooten, M. and Kuijk, M., WWF-Netherlands, Zeist and Utrecht University, Netherlands.

https://www.academia.edu/48997720/The_human_dimension_in_landscape_restoration_The_case_of_the_Xuajin_Me_Phaa_an_indigenous_NGO_in_the_La_Monta%C3%B1a_region_of_Guerrero_State_Mexico

Ceccon, E., Rodríguez León CH, Pérez DR 2020. Could 2021-2030 be the decade to couple new human values with ecological restoration ecological? Valuable insights and actions are emerging from the Colombian Amazonia. Restoration Ecology. https://doi.org/10.1111/rec.13233.

https://www.researchgate.net/publication/342531097_Could_2021-2030_be_the_decade_to_couple_new_human_values_with_ecological_restoration_Valuable_insights_and_actions_are_emerging_from_the_Colombian_Amazon_Ceccon_Hernandez_Leon_Perez

Ceccon E., Mendez-Toribio, M., Martínez -Garza C. 2020. Social participation in forest restoration projects: insights from a national assessment in Mexico. Human Ecology. 48:609–617. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-020-00178-w.

https://www.researchgate.net/profile/Eliane-Ceccon/publication/344376435_Social_Participation_in_Forest_Restoration_Projects_Insights_from_a_National_Assessment_in_Mexico/links/5f6dfd20458515b7cf4caa62/Social-Participation-in-Forest-Restoration-Projects-Insights-from-a-National-Assessment-in-Mexico.pdf

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