América Latina e a defesa de Julian Assange, por Maria Jose Haro Sly

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Em 2010, Julian Assange expôs ao mundo documentos confidenciais que mostravam a espionagem pelos EUA de vários governos ao redor do mundo, do Brasil à Alemanha, no WikiLeaks. O que não surpreendeu os países da América Latina, região que sofre com a intervenção dos Estados Unidos desde a Doutrina Monroe. Os documentos revelados por Assange dão suporte as críticas a tais práticas – críticas, anteriormente, questionadas e taxadas de teorias da conspiração.

Mesmo quando não há um crime real, aplique-se as penas da lei, se interesses poderosos assim necessitam. Assange foi acusado de abuso sexual, coerção e estupro na Suécia. De acordo com The Guardian, em 2019, as autoridades suecas interromperam as investigações após uma revisão das evidências. A procuradora-chefe, Eva-Marie Persson, disse: “Depois de avaliar de forma abrangente o que surgiu durante a investigação preliminar, considero de que as evidências não são fortes o suficiente para embasar a apresentação de uma acusação”.

Quando o processo começou, Assange negou a acusação, mas se recusou a ser interrogado na Suécia, temendo que essa país o extraditasse para os EUA, onde enfrentaria a acusação de conspiração. Assange fugiu para a Grã-Bretanha logo em seguida e recebeu asilo político na Embaixada do Equador, onde morou até abril de 2019.

O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, concedeu asilo a Assange. O governo de Correa se justificou apontando o medo de Assange tanto de ser vítima de perseguição política, como das possíveis consequências de uma eventual extradição para os Estados Unidos. Para o ex-chanceler do Equador, Ricardo Patiño, “há sérios indícios de retaliação por parte de países que produziram as informações divulgadas por Assange, retaliações que podem colocar sua segurança, sua integridade e até mesmo sua vida em risco”. “Evidências legais mostram, claramente, que se Assange fosse extraditado para os EUA, ele não teria um julgamento justo; poderia ser julgado por tribunais especiais ou militares e não seria improvável que fosse submetido a atos de crueldade, a tratamentos degradantes e a condenação à prisão perpétua ou à pena de morte”.

Em 2017, Lenin Moreno, antigo vice-presidente de Rafael Correa, venceu as eleições no Equador e mudou drasticamente as políticas de Correa em questões internas e externas. Após 7 anos de Assange morando na Embaixada do Equador em Londres, Moreno pôs fim ao asilo de Assange e deixou a polícia do Reino Unido detê-lo. Rafael Correa afirmou que Moreno foi “o maior traidor da história equatoriana e latino-americana” e que a decisão de revogar o asilo foi “um crime que a humanidade jamais esquecerá.”

Moreno, como muitos cipayos na história da colonização e da intervenção na América Latina, recebeu retribuições pessoais dos EUA; o povo equatoriano não. Ele pôs fim a uma medida justa de defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos que o Governo do Equador havia tomado na época em que ele próprio era vice-presidente.

Agora, os EUA estão tentando extraditar Assange e o condenar através de um processo em que as acusações têm motivação política, segundo Julia Hall, da Anistia Internacional. “Esta extradição terá impacto nos direitos humanos, abrindo um precedente assustador na proteção àqueles que publicam informações vazadas ou confidenciais de interesse público. Publicar tais informações é pedra angular da liberdade de imprensa e do direito de acesso à informação. Deve ser protegida, não criminalizada”.

Este ano, Lula da Silva, após ser solto, vítima de um processo e uma prisão injustos e apoiados pelos EUA, encontrou o pai de Assange na Suíça e, agora, expressou sua defesa a ele “Assange deve ser considerado um herói. Todos os que acreditam na democracia, todos os que acreditam nos direitos humanos, todos os que acreditam na justiça, não podem deixar que Assange seja extraditado. Assange deve receber o Prêmio Nobel por ter exposto as fraudes da CIA para todo o planeta, as fraudes do Departamento de Estado dos EUA, que espiona o mundo, os governos, a PETROBRAS, Brasil, Alemanha. Não é papel de um país democrático espionar seus parceiros. Assange foi muito corajoso em expor tudo isso. Portanto, todos nós temos a obrigação de dizer que ele não deve ser punido, mas sim os agentes da CIA, os agentes norte-americanos que tiraram fotos e filmaram o mundo todo para seu próprio benefício político e econômico. Assange não deve ser extraditado, o Reino Unido deve mostrar um mínimo de respeito pelos direitos humanos.”

O país que supostamente defende a liberdade de expressão e de imprensa condena os que revelam seus crimes de guerra, sua espionagem ilegal, suas intervenções, seus delitos … o país que se atribuiu a defesa dos direitos humanos condena os que denunciam suas fraudes.

Kristin Hrafnsson, porta-voz de Assange, afirmou: “as perspectivas para Julian nos tribunais britânicos são sombrias e as reações do judiciário do Reino Unido, até agora, nos dão pouca esperança de que ele obtenha justiça. Quando foi preso no ano passado encontrou-se, no tribunal, com juízes que o chamaram de ‘narcisista’ e deram-lhe a pena de prisão quase máxima por violação de fiança. Uma juíza leu uma sentença escrita previamente, uma sentença que tinha sido escrita antes dos advogados de Julian apresentarem seus argumentos.

O mesmo cenário tem se repetido nas audiências de extradição que agora acontecem em Old Bailey, Londres. Os EUA, por exemplo, foram autorizados a trazer para o tribunal uma acusação totalmente nova e alterada apenas algumas semanas antes da continuação das audiências, em 7 de setembro. O que significa que a primeira parte da audiência de extradição, em fevereiro, foi nula e sem efeito. Em essência, os Estados Unidos mudaram a acusação em um detalhe tão fundamental, no último minuto, que eles tiveram que emitir um novo pedido de extradição e Julian teve que ser solto formalmente e, então, preso novamente. Os advogados de Julian pediram que esta nova acusação fosse rejeitada, pois não tinham sido capazes de se preparar para argumentar contra ela. O próprio Julian mal teve tempo de estudá-la sozinho. Quando esse pedido foi negado, os advogados de Julian pediram um adiamento, o que também foi negado. Em outras palavras, em todas as etapas desse processo há violações aos direitos fundamentais de Assange. Se ele for extraditado, isso significará, basicamente, o fim de sua vida em uma prisão segurança máxima nos Estados Unidos. Significará também a morte do jornalismo investigativo na área de segurança nacional.”

A América Latina e muitas outras regiões periféricas sabem perfeitamente o que é sofrer uma intervenção e como isso é prejudicial para seu processo de desenvolvimento e para sua soberania.

Somos todos humanos e podemos fazer mais. Vamos construir um sistema internacional justo.

Tradução: Bruno Roberto Dammski

Foto: Wikimedia Commons

Maria Jose Haro Sly é socióloga, nascida na Argentina. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestranda em Estudos Contemporâneos da China pela Escola da Rota da Seda, da Renmin University of China.

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