A greve dos caminhoneiros no Brasil: um desastre neoliberal, por Wagner Sousa

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Por dez dias, na segunda quinzena do mês de maio, o Brasil viveu um movimento grevista dos motoristas de caminhão e, pelo que apontam vários indícios, com participação de empresas de transporte e entidades que reúnem estas empresas (o que, por lei, não seria permitido e configura um locaute). Mas o que importa aqui é entender as razões da irrupção desse movimento (que fez o Brasil viver dias quase caóticos), suas consequências econômicas e políticas e sua relação com a questão da democracia no país.

A gestão implementada na Petrobrás a partir de 2016, após o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República, segue um receituário ideológico ultraliberal: tem procurado vender ativos e reduzir a participação da empresa no mercado brasileiro seguindo a ideia de uma empresa menor em competição com petroleiras estrangeiras. Tal política fez com que exista atualmente mais de 30% de ociosidade nas refinarias de petróleo brasileiras. O Brasil exporta considerável volume de petróleo cru e importa produtos refinados como gasolina e diesel.

A Petrobrás passou então a importar grande parte dos produtos que vende e estabeleceu que a cotação deveria mudar diariamente, seguindo as oscilações do barril de petróleo no mercado internacional e da taxa de câmbio. Nos últimos meses o barril de petróleo teve expressiva alta e o dólar valorizou-se. O resultado foi que o preço interno dos derivados de petróleo subiu muito. Esta realidade somada ao quadro de crise da economia brasileira, na qual apenas o setor agrícola e agroindustrial (este voltado para as exportações) tem crescido e os demais (indústria, serviços) não tem se recuperado fez reduzir a demanda por fretes. Ou seja, os caminhoneiros enfrentam dificuldades pela demanda fraca e custos altos. A política insensata do agora ex-presidente da Petrobrás Pedro Parente, de reajustes diários dos preços de derivados de petróleo, levou a insatisfação dos operadores do setor de transportes a um grau não antes visto no Brasil e provocou a paralisação, que deu ensejo a enormes transtornos por mais de uma semana. Estradas com pontos de bloqueio, falta de combustíveis, alimentos e insumos dos mais diversos. O país à beira de uma situação verdadeiramente caótica. O governo Temer cedeu em todos os pontos exigidos pelos grevistas e a situação se normalizou. A crise provocou a queda de Pedro Parente, mudança na política de reajuste do diesel (que não é mais diário e sim mensal) e estudos para mudanças em relação aos demais combustíveis, principalmente a gasolina. Um subsídio volumoso de 9,5 bilhões de reais até o fim de 2018 foi concedido para mitigar qualquer perda eventual da Petrobrás com a nova política.

Uma crítica à nova política de preços é a continuidade da vinculação do preço interno ao preço internacional. Como a Petrobrás é quase monopolista e tem capacidade ociosa a utilização desta poderia fazer a empresa retomar o seu papel de “price maker” no mercado brasileiro e suavizar as oscilações de preço, política aliás que vigorou nos períodos das presidências de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). No primeiro mandato de Dilma, como recurso de combate à inflação, o governo manteve inalterado o preço dos combustíveis por período hoje avaliado como excessivo. No primeiro ano do segundo mandato, 2015, houve forte reajuste dos combustíveis, assim como das demais tarifas públicas, corrigindo-se a defasagem que existia, o que teve um alto custo político para a ex-mandatária. A política adotada pelo governo Temer colocou a Petrobrás a serviço dos interesses dos acionistas minoritários e abriu espaço para as grandes empresas estrangeiras do setor, no entanto a estatal opera com um insumo estratégico, tem como controlador o Estado brasileiro e não pode ser administrada como uma empresa qualquer. Mais de 80% da produção de petróleo no mundo é controlada por empresas estatais num setor regulamentado pelos governos e com preços, em regra, administrados. A gravidade do que ocorreu no Brasil parece que fez a classe política hoje no poder perceber que o setor precisa de regulação e não pode funcionar numa versão extremada de livre mercado, o que, se continuar,   trará novos conflitos distributivos. É possível que esta crise afete a intenção do governo de vender refinarias da Petrobrás ainda este ano, outra ação equivocada na suposta busca de maior competição. As petroleiras estrangeiras tem feito pesado lobby no Brasil a fim de garantir os seus interesses. Uma das vitórias que obtiveram foi a isenção tributária estimada em mais de um trilhão de reais, segundo cálculo da consultoria legislativa e de orçamento da Câmara dos Deputados, o que não se justifica num país com a situação deficitária do Brasil e que tem muitas necessidades da população ainda não devidamente atendidas pelo Estado.

Outro problema que surgiu com a paralisação dos caminhoneiros foram os pedidos para “intervenção militar” no país, ou seja, ruptura com o regime democrático. Uma das consequências da crise política brasileira e da desmoralização dos políticos foi a queda de apoio da democracia por parte da população. O trato espetacularizado e muitas irresponsável das questões referentes aos acusados por atos de corrupção por parte da mídia e dos agentes públicos certamente contribuiu para essa deterioração.

 O que inicialmente atingiu o Partido dos Trabalhadores depois atingiu todos os demais partidos relevantes do Brasil, com revelações de caixa dois eleitoral e pagamentos de suborno. Este cenário tem contribuído para o crescimento do candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro. Os militares, até o momento, não se mostram dispostos a qualquer insurreição golpista, embora alguns dos seus quadros a queiram.  De toda maneira esta greve e toda a desorganização institucional dos últimos anos (que teve no impeachment o seu ápice) revelam que a democracia brasileira, que se imaginava consolidada anos atrás, não vai bem, embora aparentemente não esteja sob risco iminente.

Foto: Roberto Parizotti/ Fotos Públicas

Texto originalmente publicado em 2018.

Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina.

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